quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Uma peça para quem não gosta de Nelson Rodrigues


Pode parecer estranho que uma peça escrita por Nelson Rodrigues seja direcionada a quem não gosta das obras dele. Mas devemos considerar que este é um espetáculo de raras montagens. As obras mais conhecidas do dramaturgo estão repletas de palavrões e, muito diferente de “A vida como ela é”, “Anjo Negro” não possui momentos de humor. Talvez exceto pelos risos retirados pela plateia pelas atrizes que fazem as primas solteironas e virgens de Virgínia.
O texto de Nelson já nasce intimista. Somado à interação com o público no palco montado sob as orientações do famoso diretor Grotowski, difícil dizer se haveria forma mais intimista de se apresentar tal obra. A cenografia da Cia Mosaico, assinada por Antônio de Pádua, usa uma grande estrutura central. É ali que se passa praticamente todo o espetáculo. Ela é a cama, o quarto, a casa de dois andares, tudo que se precisa para apresentar a história seguindo os mais seguros princípios minimalistas possíveis.
Destaque na peça para o trabalho dos atores Sandro Lucose (Elias) e Raquel Mützenberg, a qual faz a filha de Virgínia com Elias. Tanto Elias quando a filha foram cegados por Ismael (interpretado por Alexander Sil). O trabalho de criação dessa cegueira para o palco foi intenso e individual. A pesquisa feita deixa claro vestígios do filme “Janela da Alma” nas personagens, por mais individuais e particulares que sejam.
No caso de Sandro, a opção é por um cego que usa mais o corpo. Quando chamado, reage com esse corpo vivo e sempre em estado de alerta, deixando os olhos fechados, baixos e trêmulos. Já para Raquel, o trabalho é diferente e nos faz crer ainda mais na cegueira da personagem, ao ponto de não permitir ao espectador visualizar suas córneas, mas apenas o branco dos olhos. Como se ambos tivessem sido mesmo queimados por ácido quando tinha apenas 2 anos, e uma fina membrana cobrisse o local queimado no lugar das córneas.
O trabalho de corpo e movimentos orquestrado por Elka Victorino junto aos atores também impressiona. Apesar de não ser uma peça que exija muito das personagens principais, no caso Virgínia (interpretada por Joana Seibel) e Ismael, muito desse esforço é visto nas próprias primas virgens (Bia Napolitani, Milena Machado e Rany Carneiro).  Também é preciso destacar o trabalho de Joana no papel de Virgínia. Mesmo dona de uma voz grave poderosa, consegue transmitir ao mesmo tempo loucura, restos de lucidez, as dores de uma alma que implora por libertação e lascividade. Isso sem contar a mescla de amor e ódio que nutre por Ismael, a qual chega a confundir até o espectador mais atento.

Mensagem
Muito mais que falar apenas em preconceito racial, o espetáculo traz sim um pouco da loucura e insensatez do ser humano. O comportamento da tia de Virgínia (Daniela Leite) é quase que doentio. Primeiro ela permite a Ismael deflorar Virgínia do modo mais irracional possível, mesmo contra a vontade da sobrinha. Para evitar que as outras três filhas se envolvessem e decepcionassem com um homem, ela as faz permanecer virgens. No entanto, quando duas delas morrem virgens, a última, já na casa dos 40 anos, é indicada pela própria mãe para sempre ir a um lugar onde um estuprador se encontra. O estupro é inevitável e a felicidade presente na mãe porque a última filha não morreu virgem, latente.
A peça é ainda um exercício de atenção. Diferente do que muitos se acostumaram, a atenção não está apenas numa parte da cena. Há um foco principal, sem dúvida, nos diálogos apresentados, por exemplo, entre Ismael e Elias. No entanto, por vezes a atenção pode ser desviada para as mulheres que choram junto ao caixão do terceiro filho de Ismael, morto ainda bebê pelas mãos da própria mãe Virgínia. Há quem possa classificar isso como uma falha do diretor Sandro Lucose, mas é um esforço a mais para o espectador numa peça que já exige esforço redobrado da atenção do público para não perder nada. Seja para os mais distraídos, ou aqueles que focam sua atenção num ponto específico, “Anjo Negro” é um desafio tentador. A única ressalva que fica é para o tambor usado pelos coveiros, um dos instrumentos usados para a sonoplastia feita ao vivo por eles no palco. Por vezes, o uso do tambor (não me recordo no momento do nome específico do instrumento utilizado, talvez um atabaque), encobre as falas de uma ou outra personagem. Especialmente para quem fica mais próximo ao instrumento nesse espaçamento de Grotowski e, consequentemente, distante do diálogo em cena.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Filha de Andrea, Andreinha é…


Pode parecer exagero, mas não há como negar a proximidade da atriz Luiza Lorenz com a diretora Andrea Ojeda no espetáculo “Evocações”. Não à toa, as duas, em cena se parecem muito. O programa intensivo de formação-criação Periplo, Compañia Teatral, com certeza influenciou diretamente.

No palco, cada expressão, cada fala, cada sentimento, possui uma ação proporcional. Um longo exercício muito cobrado pela diretora argentina. Pode parecer impressão, mas as ações e olhares de Luiza a deixam tão parecida com Andrea que os menos atentos podem confundir uma e outra no palco (exceto pela língua falada por elas).

A cenografia simples, revela uma caixa no centro do palco, cercada por pétalas de flores e folhas, e três figurinos ao fundo, mantidos eretos por cordas, próprios para a entrada rápida de Luiza em cada personagem, seja ele o artista, o emparedado ou o louco. Uma colaboração com o dedo claro de Julieta Fassone, também da Periplo.

Na caixa, uma surpresa que se revela aos poucos. Trata-se do “corpo” do homenageado: Cruz e Souza. As entradas e saídas de cena desse corpo, surpreendem e, a cada novo detalhe é possível se perguntar: o que mais sairá daí? Os exageros no emparedado são cabíveis e o boneco, todo branco, faz o papel de coronel e escravocrata. Cabe a Luiza, a transformação em novo personagem ao ingressar no figurino, e mais difícil talvez seja retornar à personagem inicial que conta um pouco sobre a história do poeta que completaria 151 anos se ainda estivesse vivo.

O maior poeta catarinense, de rebuscadas falas e um dos maiores da poesia simbolista universal, não poderia pedir mais. Talvez pudesse sim pedir menos. O começo se mostra um tanto quanto cansativo até chegar à história do escravocrata. Apesar de ser classificação etária livre (aparentemente, pois nenhum material de divulgação traz tal informação), o filosofar e rebuscar das palavras assusta aos não-iniciados em Cruz e Souza.

Assusta tanto ao ponto de um pai falar baixinho com a mãe na segunda fileira: “Pergunta se ele quer ir embora já ou vai querer ficar até o fim”. Ele, neste caso, é o filho que devia possuir apenas uma década de vida. O filho, também aos sussurros, não deixa por menos: “Quero ficar até o fim”. O pequeno mostra um interesse que poucos adultos têm. De entrar nesse mundo poético maluco e de tão poucos adeptos.

Os focos de iluminação também possuem pontos certeiros. Resta ao iluminador não se confundir diante da mesa. Mas convenhamos que, para uma sétima apresentação de um espetáculo cuja montagem durou quase um ano inteiro, não há muito do que reclamar. Com exceção das cadeiras de madeira dispostas ao público, mas isso já é outra história…

terça-feira, 26 de junho de 2012

“Instantâneos” mexe com a imaginação


A música dita o ritmo da peça. No início, o público encontra todo o elenco em cena, com roupas brancas, e tocando algum instrumento. Ao saírem de cena, por trás dos tecidos que deixam à mostra a silhueta dos atores e figurinos a serem usados, é que começa uma verdadeira ciranda de personagens.

Uma máscara para cada personagem vivida pelos cinco atores. Essa ciranda se finda e a “história” se inicia. São fatos da vida cotidiana expressos de forma simples, instantes da vida, como relata a própria companhia na sinopse do espetáculo integrante do projeto Palco Giratório, do Sesc. A apresentação no Bandeirantes, segunda-feira à noite, reuniu cerca de 100 espectadores, que aplaudiram de pé, mesmo alguns mais preocupados em conversar com o colega do lado que prestar atenção à peça.

Inspirado no Topeng – teatro/dança dos rituais de Bali, a peça brinca com diversas culturas e técnicas teatrais, como a imobilidade e a plasticidade do corpo cênico. As pesquisas feitas pela diretora Fabianna de Mello e Souza, que também atua como atriz, misturam-se de uma forma sem agredir uma à outra e se encaixa numa harmonia excepcional. Apesar de muitos, a variedade de instrumentos asiáticos como o gamelão e brasileiros e africanos (conga, alfaia, pandeiro e marimbas) é fundamental para o público logo caracterizar cada personagem com um ritmo próprio. A musicista mineira Samantha Renó chega a interagir com as personagens. Nada mais justo por estar no palco. Mas a repetição às vezes pode ser cruel. Na primeira vez em que ela acerta a mão da personagem que se apoia num dos instrumentos e na segunda vez, onde apenas ameaça, a cena fica singela e engraçada. Na terceira vez se mostra como piada pronta, e não funciona.

Fabianna possui na bagagem nove anos de experiência no Théâtre du Soleil. Numa das peças em que participou se apropriou da técnica de tecidos que imitam o mar para fazer o rio na cena final de Instantâneos, quando duas personagens finalmente ficam juntas após algumas confusões pelo caminho. Não à toa, a carioca Cia dos Bondrés, fundada em 2007, foi contemplada com o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz, do qual resultou Instantâneos.

O uso das máscaras vem desde o início do teatro grego, mas com o tempo elas se modificaram, criaram rostos e conseguem transportar o público. Exceto no velho interpretado por Fabianna no início e final do espetáculo, o qual brinca com borboletas presas a varas manipuladas pelos atores, os olhos de quem está no palco ficam sempre à mostra. Alfo fundamental para conseguir transmitir os sentimentos vividos pela personagem ao público, mesmo com o restante do rosto coberto. Se uma máscara é mais voltada ao horripilante, os olhos mais destreinados conseguem ver singeleza e doçura graças a esse recurso.

O menino que chuta uma bola imaginária até acertá-la em personagem de trás do palco que surge com uma bola concreta nas mãos, mexe com o pensamento e a atenção de quem acompanha tudo de perto e fica à espera do que vem a seguir. A cena do casal de velhinhos também se mostra de uma precisão na imobilidade dos movimentos e plasticidade do corpo cênico que não se consegue do dia para a noite. Felizes daqueles que acompanharam a peça e mais felizes de quem pode desfrutar um pouco e aprender certas técnicas de treinamento na oficina ministrada por Fabianna no dia anterior.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Como bom bufão, Júlia incomoda


Segundo a Cia do Giro, de Porto Alegre, os bufões são considerados os filhos do demônio que oferecem o riso e a paródia aos mortais. Eles oferecem uma crítica ferina à sociedade e denunciam a falsa moral encoberta por atitudes polidas.

Seguindo essa máxima, Júlia e Palheta, personagens interpretados pelos atores Yonara Marques e Reveraldo Joaquim, do Cirquinho do Revirado, de Criciúma, chocam o público presente na rua. Eles trazem à tona vários lados a serem questionados, desde o modo como vivem pessoas à margem da sociedade, o que precisam fazer para se virar e até o quanto um aleijado pode “se aproveitar” dos que cuidam dele. É essa inversão de papeia onde, como no bordão tão apropriado de Palheta “Pensa que é fácil ter pernas, Júlia?”.

Como bons bufões, jogam na cara do espectador o quão o ser humano pode ser vil e traiçoeiro. Mas a dupla também se apropria de técnicas do palhaço em momentos mais singelos, como quando Júlia lava os pés de Palheta.

Júlia ainda teve de se conter em certas cenas pelo público ser formado por muitas crianças. Yonara lembra ao fim do espetáculo que a classificação é “Livre” por ser teatro de rua e não haver como impedir as pessoas de estarem ali, mas que existe uma certa restrição na idade do espectador. Não fosse isso, a cena da banana e do pé talvez tivesse maior ensejo dentro do que o enredo pedia.

Apesar dos protestos de algumas educadoras em determinados pontos, as crianças parece que sabiam muito bem o que estava acontecendo, talvez com uma leitura melhor que a dos adultos. Exemplo propício é quando Júlia e Palheta vão se beijar. As crianças gritam para isso não acontecer e um deles chega a dizer: “Tem criança aqui”. Mas quando Júlia convida Palheta para se esconderem nos restos do circo incendiado que carregam consigo e fazerem “frusca frusca”, o próprio Palheta afirma que as crianças não sabem o que é frusca frusca. O mesmo menino que não queria o beijo da dupla por terem crianças presentes, um garoto com não aparentava ter mais de 10 anos, grita em alto e bom som: “Eu sei o que é”.

O teatro de rua também exige do ator o domínio do público e não há público mais sincero que o de crianças. Se não gostam, não gostam e pronto. Elas interagem ao ponto do espetáculo terminar e ainda exigirem de volta o sapato roubado pelos bufões de uma espectadora. Elas vaiam, enquanto os adultos acompanham tudo calados com jeito de “é só brincadeira”, mas o tapa foi dado. No fundo, as pessoas vão para casa incomodadas com aquilo tudo, especialmente com a aleijada que não é aleijada e ainda reclama das esmolas dadas pelo público, uma das artimanhas e provocações típicas do diretor Pepe Sedrez.

No domínio da cena, Yonara e Reveraldo conseguem brincar com as crianças, mesmo quando elas estão agitadas. A pouca educação característica dos bufões remete o público ao riso a cada novo “cala boca demonho”. As atitudes de alguns alunos que, para as professoras podem atrapalhar o “teatrinho”, obrigam o ator a rebolar no palco e aproveitar aquela intervenção como material cênico. Sem isso, que voltássemos para o elisabetano com total distanciamento entre plateia e palco.

Mais que relatar a miséria de dois mendigos, o espetáculo usa quase uma metalinguagem e chega a emocionar o artista que sabe o que é “conseguir o dinheiro suficiente para garantir o hoje, e o amanhã a gente vê”.

domingo, 6 de maio de 2012

Triângulo amoroso com arestas a aparar


Unir no mesmo palco artistas de diferentes estilos é um desafio a ser superado. A direção das três escolas do Teatro Carlos Gomes (dança, música e teatro) topou enfrentar esse embate com o projeto Orfeu 21. O sucesso foi eminente. Nas redes sociais, muito se falou e elogiou tanto durante o processo como após o espetáculo apresentado. Mas como todo casamento, nem tudo são flores, ainda mais quando envolve três paixões, apesar de sempre muito próximas umas das outras (música, dança e teatro).

No palco, a mescla deu certo, mas ainda precisa ser aperfeiçoada. Afinal, não é todo dia que se encontra uma bailarina que também saiba atuar cenicamente e cantar com primor. Da mesma forma, não se viu atores profissionais dançando. Cada um fez a sua parte, e em algumas das oportunidades em que se unia as artes distintas, o resultado não era o esperado. Na cena logo após o casamento, a voz de Guta (interpretada pela cantora Mayla Valentin), apesar afinada e bela para o momento, perde em projeção e quase é abafada pelos instrumentos da orquestra. Tal falha é ainda mais percebida quando a voz de Rogério (o ator Fábio Hostert), entra num dueto. Mesmo na quarta fileira do teatro, pouco se ouvia e menos ainda se entendia do vocal de Guta.

A orquestra executou as músicas com perfeição, mas o primeiro ato dava a impressão de que o diretor musical André de Souza optou pelo caminho mais fácil, sem dar margem a grandes momentos da orquestra. A música soou quadrada, tendo seu ápice no coro perfeito do anúncio do tiro recebido por Alice. O coro da Furb se trajou como seres estranhos, de preto e roxo, que lembravam as Mênades, mulheres selvagens que abafaram o som da lira de Orfeu e conseguiram matá-lo por não conseguir resolver seus próprios problemas. O coro bem regido mostra o desespero do momento e chega a assustar.

No segundo ato, destaque para a dança no hospital Hades feita em sapateado por membros do corpo clínico e doentes. Mesmo com um vocal preparado, os muitos instrumentos da orquestra abafaram algumas vozes. Foi o caso do quarteto de enfermeiros, pouco antes do sapateado. Em cena, a interpretação dos enfermeiros impressiona, se destacando a atriz Sabrina Marthendal, a qual é atriz profissional, integrante da Cia Carona de Teatro. O mesmo se vê em James Beck, um dos personagens cômicos. Mesmo quando desafina ao cantar, consegue levar o público a gargalhar. Mas nem todos eram atores e a atuação de alguns ficou prejudicada por isso, como foi o caso de Fábio Hostert. A diferença de quando contracena com atores profissionais, ou quando está sozinho, vem à tona quando atua com quem é aluno da escola de música ou de dança, mesmo a atriz principal, a bailarina Luca Martins, que interpreta Alice, não o deixa mostrar todo seu potencial. Exceção aqui quando há a interação final entre os dois, no hospital. Enquanto a personagem de Fábio está de olhos fechados, imaginando sua amada Alice, ela dança com ele. Ali sim se vê o fervoroso amor do casal, o qual até então parecia um pouco apagado.

No hospital, quem rouba a cena é a chefe de enfermagem. Bernarda (interpretada pela cantora Judejô) está primorosa em cena, tanto na interpretação, como na hora de cantar. A canção que com as doentes Simone Mendes de Cordova, Taiara Morgana Gerent e Bruna Ranguetti, mesmo trazendo à tona uma dura realidade, é carregada de comicidade e não fica sem resposta do público, o qual não para de rir por um instante. A voz de Judejô só não impressiona mais que da Dra. Perséfone (Maeike Valentin), uma das poucas a conseguir transmitir mais emoção pelo canto que pela interpretação. O dueto com Rogério (Fábio Hostert) fez um bom casamento das duas vozes que se intercalam.

Por fim, resta dizer que o espetáculo conseguiu uma técnica incrível ao utilizar todos os recursos possíveis do auditório principal do Carlos Gomes. O palco giratório para mudança de cenário dá um ar quase mágico a essas trocas, méritos a Enzo Montti, mas um objeto cênico poderia ser descartado. Apesar da mensagem intrínseca que a lira carrega até pelos textos nos quais Orfeu 21 foi baseado pelo dramaturgo Gregory Haertel, poderia ter ficado fora da canção interpretada pela Música (Paula Tessarollo). Em um musical, quando um instrumento entra em cena, espera-se que ele seja utilizado, no entanto, não é assim que a lira carregada por Música é usada. Ela até encena algumas notas, o que deixa ainda mais falso o uso do objeto.
As entradas e saídas das personagens, as quais levam as personagens mais perto do público, seguindo pela linguagem de Grotowski, foram bem arquitetadas pelo diretor-geral artístico Pepe Sedrez, bem como o uso de um dos camarotes pelo Policial (Leomar Peruzzo). Elogios aqui são necessários ao desenho e operação de luz de Giba de Oliveira, aos figurinos desenhados por Rose Reddin e às coreografias pensadas por Luca Martins, Michelle Beatriz Nicoletti e Beatriz Niemeyer. Sem falar que deve ter sido difícil maquiar os atores para que ficassem tão doentes quanto aparentavam. Da parte da música, que no segundo ato brincou mais que no primeiro, faltou apenas um rock, interpretado talvez pela própria banda Orfeus, a qual estava no palco com instrumentos em punho e ganhou uma roupagem de banda de rock. A voz de Hostert também poderia ter seus agudos melhor explorados e, nesse rock que faltou, algo mais rasgado. Enfim, para um primeiro trabalho desse calibre do Teatro Carlos Gomes, o resultado final até surpreende, pois muitos dos que estão no palco não são profissionais, mas alunos das três escolas que compõem o Carlos Gomes. Este não deve ser o último trabalho desse naipe, esperamos que não seja, e que muitos outros musicais venham.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

A mescla do clownesco e terror


De cara, quatro atores no palco começam a mesclar dança e música feita com sons corpóreos e a boca. A técnica do clown pode ser vista já em seguida. Apesar de ninguém usar qualquer tipo de nariz vermelho, pode se ver nitidamente dois clowns nas personagens que auxiliam Victoria Frankenstein a dar vida ao Monstren. Voltando um pouco ainda, a música ditada pela voz coordenada de cada um dos atores, termina na morte daquele que dará origem ao Monstren (Vinícius Ferreira). A contínua entonação da atriz Andréia Malena Rocha remete de forma inconfundível ao sinal dos aparelhos cardiológicos quando o coração para de bater. E assim começa Frankenstein Medo de Quem, apresentado na noite de quarta-feira, na Sociedade Bandeirantes.

São Bento do Sul teve a sorte de conseguir receber a penúltima apresentação do grupo pelo projeto EnCena Catarina, organizado pelo Sesc, graças também à parceria com a Fundação Cultural. Além do clown, o grupo mescla outras técnicas milenares, para esta arte milenar que é o teatro, a exemplo do teatro de sombras, criado na China.

Como o espetáculo é livre, permite aos atores fazer referências a brincadeiras de criança, com esses elementos. Ao brincar com sombras, o mais natural para uma criança é imitar uma borboleta com as mãos. A brincadeira foi feita por um dos atores e surtiu um efeito muito bom ao público.
Cada objeto em cena possui uma função específica, como a parte externa dos exaustores, as quais ficam na parte superior das construções. Ali, servem como um “gerador de energia” para dar vida a Monstren. Exceção talvez fique por conta apenas de um emaranhado de mangueiras ao fundo do palco que, quando muito, servem para dar um ar de laboratório de cientista maluco ao palco. Confesso não ter lido o romance “Frankenstein ou o Prometeu Moderno” de Mary Shelley, no qual a peça é baseada. Talvez haja para tal objeto alguma referência no livro, ou o objeto faça referência a uma passagem importante do livro, o que só saberei após lê-lo.

A crueldade do mundo
Mesmo com alguns erros de milésimos de segundo, a marcação dos atores no palco é quase perfeita. A figura do clown volta a ser percebida no Monstren quando ele encontra a doce Melina (Clarice Steil Siewert). Enquanto ela toca uma escaleta, ele se surpreende ao conseguir acompanhá-la no acordeon.

Vemos em Monstren uma criatura igualmente doce, disposta a aprender ainda as coisas do mundo que a cercam, mas a crueldade de Artur (Eduardo Campos), e os mal entendidos que se seguem por causa da aparência monstruosa da criatura fazem com que Monstren seja perseguido aos gritos de “Morten el Monstren”. Aqui um ponto para se observar a mais: o problema da acústica. Artistas e público aguardam ansiosos pela conclusão da reforma do Centro Cultural Dr. Genésio Tureck (Cine Brasil) e uma recuperação da acústica do local. Apesar de um lugar sempre receptivo a esse tipo de evento, o salão do Bandeirantes ainda não é o ideal. Em muitos momentos do pouco falado no palco, não se conseguia entender pela reverberação do som. No início, pareceu que o problema seriam as máscaras feitas com desempenadeiras de pedreiro, mas difícil dizer após perceber a amplitude do salão diante do público de 50 pessoas.

As desempenadeiras tomam ali um papel importante. Se Frankenstein remete à criação de uma criatura construída a partir de pedaços de corpos de vários cadáveres, a desempenadeira aos pedreiros, responsáveis principais pela construção de casas e edificações. Em cena, se transformam em escudos, pratos de fanfarra e até pássaros, além das máscaras. A interação com o público atravessa o palco quando os caçadores do Monstren se aproximam da plateia e mesmo quando Monstren, transtornado, investe contra os espectadores. Vemos ainda em cena alguns clássicos da comédia pastelão, como a perseguição em que um ator sai por um lado, volta por outro e se desencontra com o perseguidor, ou mesmo o encontro de Monstren e Melina, na jaula destruída pela atriz.

A opção de minimizar o uso do verbo também é algo clássico da técnica clownesca. Muito do que se vê no palco é ditado pelo ritmo do acordeon que dá vida a Monstren. E quando todos pensavam que o vilão se daria mal, o protagonista, num gesto sublime e pouco casual, o perdoa. Ontem, a última apresentação, em Canoinhas, deve ter sido um presente muito bom para o aniversariante do dia, Vinícius, que completou 24 anos. E antes que me esqueça, a coordenação entre sonoplastia e iluminação com os atores é feita com propriedade por Manoella Carolina Rego e Flávio Andrade, este último, exceto ledo engano, não se encontrava na apresentação são-bentense e coube a Manoella se dividir entre a operação de som e luz.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Finfo não chama atenção para si

Segundo a professora da USP Ana Maria Amaral, teatro de animação trata do inanimado, por isso poderia ser também chamado de teatro inanimado. Teatro do Inanimado é um teatro onde o foco de atenção é dirigido para um objeto inanimado e não para o ser vivo/ator. Objeto é todo e qualquer matéria inerte. Em cena representa o homem, ideias abstratas, conceitos.

“Uma canção para Finfo”, da Cia Caravana do Sonhar, de São Bento do Sul, propõe um jogo interessante. Não tem a pretensão de ser teatro inanimado (ou de animação, como preferirem), mas trabalha com bonecos. As formas inanimadas que ganham vida pelas mãos dos atores Alessandra Nascimento e Rafael Padawan são simples, não possuem rostos específicos e nem precisam, pois o foco não são eles exatamente, mas a história em si.

A proposta da companhia sequer se propõe a uma peça teatral propriamente dita, mas sim ao universo da contação de histórias. A mescla de linguagens brinca com esse jogo e deixa o espetáculo atrativo e consegue prender a atração do público alvo: as crianças. A arte de contar histórias é uma prática milenar que teve início desde os primórdios da humanidade por meio da tradição oral, sendo intensificadas na Grécia Antiga e no Império Árabe. Essa arte amplia o universo literário, desperta o interesse pela leitura e estimula a imaginação pela construção de imagens interiores. Apesar de um pouco crus pelo espetáculo ser novo, Alessandra e Padawan dominam a contação de histórias com o uso de instrumentos musicais e atuações características, ao incorporar as personagens mesmo sem os bonecos. Pela expressão e marcação afinada, fica claro quando os atores interpretam os contadores e quando estão na pele das personagens. Mesmo com simplicidade, os bonecos também chamam a atenção, em especial Finfo com o cabelo arrepiado após tomar um choque elétrico. Único peso desfavorável na história é o excesso de problemas que fazem a família ficar feliz… mas nem tanto. Ainda assim, a crítica intrínseca sobre o valor da família diante de um cotidiano corrido e corroído, precisa ser respeitada.