terça-feira, 26 de junho de 2012

“Instantâneos” mexe com a imaginação


A música dita o ritmo da peça. No início, o público encontra todo o elenco em cena, com roupas brancas, e tocando algum instrumento. Ao saírem de cena, por trás dos tecidos que deixam à mostra a silhueta dos atores e figurinos a serem usados, é que começa uma verdadeira ciranda de personagens.

Uma máscara para cada personagem vivida pelos cinco atores. Essa ciranda se finda e a “história” se inicia. São fatos da vida cotidiana expressos de forma simples, instantes da vida, como relata a própria companhia na sinopse do espetáculo integrante do projeto Palco Giratório, do Sesc. A apresentação no Bandeirantes, segunda-feira à noite, reuniu cerca de 100 espectadores, que aplaudiram de pé, mesmo alguns mais preocupados em conversar com o colega do lado que prestar atenção à peça.

Inspirado no Topeng – teatro/dança dos rituais de Bali, a peça brinca com diversas culturas e técnicas teatrais, como a imobilidade e a plasticidade do corpo cênico. As pesquisas feitas pela diretora Fabianna de Mello e Souza, que também atua como atriz, misturam-se de uma forma sem agredir uma à outra e se encaixa numa harmonia excepcional. Apesar de muitos, a variedade de instrumentos asiáticos como o gamelão e brasileiros e africanos (conga, alfaia, pandeiro e marimbas) é fundamental para o público logo caracterizar cada personagem com um ritmo próprio. A musicista mineira Samantha Renó chega a interagir com as personagens. Nada mais justo por estar no palco. Mas a repetição às vezes pode ser cruel. Na primeira vez em que ela acerta a mão da personagem que se apoia num dos instrumentos e na segunda vez, onde apenas ameaça, a cena fica singela e engraçada. Na terceira vez se mostra como piada pronta, e não funciona.

Fabianna possui na bagagem nove anos de experiência no Théâtre du Soleil. Numa das peças em que participou se apropriou da técnica de tecidos que imitam o mar para fazer o rio na cena final de Instantâneos, quando duas personagens finalmente ficam juntas após algumas confusões pelo caminho. Não à toa, a carioca Cia dos Bondrés, fundada em 2007, foi contemplada com o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz, do qual resultou Instantâneos.

O uso das máscaras vem desde o início do teatro grego, mas com o tempo elas se modificaram, criaram rostos e conseguem transportar o público. Exceto no velho interpretado por Fabianna no início e final do espetáculo, o qual brinca com borboletas presas a varas manipuladas pelos atores, os olhos de quem está no palco ficam sempre à mostra. Alfo fundamental para conseguir transmitir os sentimentos vividos pela personagem ao público, mesmo com o restante do rosto coberto. Se uma máscara é mais voltada ao horripilante, os olhos mais destreinados conseguem ver singeleza e doçura graças a esse recurso.

O menino que chuta uma bola imaginária até acertá-la em personagem de trás do palco que surge com uma bola concreta nas mãos, mexe com o pensamento e a atenção de quem acompanha tudo de perto e fica à espera do que vem a seguir. A cena do casal de velhinhos também se mostra de uma precisão na imobilidade dos movimentos e plasticidade do corpo cênico que não se consegue do dia para a noite. Felizes daqueles que acompanharam a peça e mais felizes de quem pode desfrutar um pouco e aprender certas técnicas de treinamento na oficina ministrada por Fabianna no dia anterior.