quinta-feira, 26 de abril de 2012

A mescla do clownesco e terror


De cara, quatro atores no palco começam a mesclar dança e música feita com sons corpóreos e a boca. A técnica do clown pode ser vista já em seguida. Apesar de ninguém usar qualquer tipo de nariz vermelho, pode se ver nitidamente dois clowns nas personagens que auxiliam Victoria Frankenstein a dar vida ao Monstren. Voltando um pouco ainda, a música ditada pela voz coordenada de cada um dos atores, termina na morte daquele que dará origem ao Monstren (Vinícius Ferreira). A contínua entonação da atriz Andréia Malena Rocha remete de forma inconfundível ao sinal dos aparelhos cardiológicos quando o coração para de bater. E assim começa Frankenstein Medo de Quem, apresentado na noite de quarta-feira, na Sociedade Bandeirantes.

São Bento do Sul teve a sorte de conseguir receber a penúltima apresentação do grupo pelo projeto EnCena Catarina, organizado pelo Sesc, graças também à parceria com a Fundação Cultural. Além do clown, o grupo mescla outras técnicas milenares, para esta arte milenar que é o teatro, a exemplo do teatro de sombras, criado na China.

Como o espetáculo é livre, permite aos atores fazer referências a brincadeiras de criança, com esses elementos. Ao brincar com sombras, o mais natural para uma criança é imitar uma borboleta com as mãos. A brincadeira foi feita por um dos atores e surtiu um efeito muito bom ao público.
Cada objeto em cena possui uma função específica, como a parte externa dos exaustores, as quais ficam na parte superior das construções. Ali, servem como um “gerador de energia” para dar vida a Monstren. Exceção talvez fique por conta apenas de um emaranhado de mangueiras ao fundo do palco que, quando muito, servem para dar um ar de laboratório de cientista maluco ao palco. Confesso não ter lido o romance “Frankenstein ou o Prometeu Moderno” de Mary Shelley, no qual a peça é baseada. Talvez haja para tal objeto alguma referência no livro, ou o objeto faça referência a uma passagem importante do livro, o que só saberei após lê-lo.

A crueldade do mundo
Mesmo com alguns erros de milésimos de segundo, a marcação dos atores no palco é quase perfeita. A figura do clown volta a ser percebida no Monstren quando ele encontra a doce Melina (Clarice Steil Siewert). Enquanto ela toca uma escaleta, ele se surpreende ao conseguir acompanhá-la no acordeon.

Vemos em Monstren uma criatura igualmente doce, disposta a aprender ainda as coisas do mundo que a cercam, mas a crueldade de Artur (Eduardo Campos), e os mal entendidos que se seguem por causa da aparência monstruosa da criatura fazem com que Monstren seja perseguido aos gritos de “Morten el Monstren”. Aqui um ponto para se observar a mais: o problema da acústica. Artistas e público aguardam ansiosos pela conclusão da reforma do Centro Cultural Dr. Genésio Tureck (Cine Brasil) e uma recuperação da acústica do local. Apesar de um lugar sempre receptivo a esse tipo de evento, o salão do Bandeirantes ainda não é o ideal. Em muitos momentos do pouco falado no palco, não se conseguia entender pela reverberação do som. No início, pareceu que o problema seriam as máscaras feitas com desempenadeiras de pedreiro, mas difícil dizer após perceber a amplitude do salão diante do público de 50 pessoas.

As desempenadeiras tomam ali um papel importante. Se Frankenstein remete à criação de uma criatura construída a partir de pedaços de corpos de vários cadáveres, a desempenadeira aos pedreiros, responsáveis principais pela construção de casas e edificações. Em cena, se transformam em escudos, pratos de fanfarra e até pássaros, além das máscaras. A interação com o público atravessa o palco quando os caçadores do Monstren se aproximam da plateia e mesmo quando Monstren, transtornado, investe contra os espectadores. Vemos ainda em cena alguns clássicos da comédia pastelão, como a perseguição em que um ator sai por um lado, volta por outro e se desencontra com o perseguidor, ou mesmo o encontro de Monstren e Melina, na jaula destruída pela atriz.

A opção de minimizar o uso do verbo também é algo clássico da técnica clownesca. Muito do que se vê no palco é ditado pelo ritmo do acordeon que dá vida a Monstren. E quando todos pensavam que o vilão se daria mal, o protagonista, num gesto sublime e pouco casual, o perdoa. Ontem, a última apresentação, em Canoinhas, deve ter sido um presente muito bom para o aniversariante do dia, Vinícius, que completou 24 anos. E antes que me esqueça, a coordenação entre sonoplastia e iluminação com os atores é feita com propriedade por Manoella Carolina Rego e Flávio Andrade, este último, exceto ledo engano, não se encontrava na apresentação são-bentense e coube a Manoella se dividir entre a operação de som e luz.