De
cara, quatro atores no palco começam a mesclar dança e música feita com sons
corpóreos e a boca. A técnica do clown pode ser vista já em seguida. Apesar de
ninguém usar qualquer tipo de nariz vermelho, pode se ver nitidamente dois
clowns nas personagens que auxiliam Victoria Frankenstein a dar vida ao
Monstren. Voltando um pouco ainda, a música ditada pela voz coordenada de cada
um dos atores, termina na morte daquele que dará origem ao Monstren (Vinícius
Ferreira). A contínua entonação da atriz Andréia Malena Rocha remete de forma
inconfundível ao sinal dos aparelhos cardiológicos quando o coração para de
bater. E assim começa Frankenstein Medo de Quem, apresentado na noite de
quarta-feira, na Sociedade Bandeirantes.
São
Bento do Sul teve a sorte de conseguir receber a penúltima apresentação do
grupo pelo projeto EnCena Catarina, organizado pelo Sesc, graças também à
parceria com a Fundação Cultural. Além do clown, o grupo mescla outras técnicas
milenares, para esta arte milenar que é o teatro, a exemplo do teatro de
sombras, criado na China.
Como
o espetáculo é livre, permite aos atores fazer referências a brincadeiras de
criança, com esses elementos. Ao brincar com sombras, o mais natural para uma
criança é imitar uma borboleta com as mãos. A brincadeira foi feita por um dos
atores e surtiu um efeito muito bom ao público.
Cada
objeto em cena possui uma função específica, como a parte externa dos
exaustores, as quais ficam na parte superior das construções. Ali, servem como
um “gerador de energia” para dar vida a Monstren. Exceção talvez fique por
conta apenas de um emaranhado de mangueiras ao fundo do palco que, quando
muito, servem para dar um ar de laboratório de cientista maluco ao palco.
Confesso não ter lido o romance “Frankenstein ou o Prometeu Moderno” de Mary
Shelley, no qual a peça é baseada. Talvez haja para tal objeto alguma
referência no livro, ou o objeto faça referência a uma passagem importante do
livro, o que só saberei após lê-lo.
A
crueldade do mundo
Mesmo
com alguns erros de milésimos de segundo, a marcação dos atores no palco é
quase perfeita. A figura do clown volta a ser percebida no Monstren quando ele
encontra a doce Melina (Clarice Steil Siewert). Enquanto ela toca uma escaleta,
ele se surpreende ao conseguir acompanhá-la no acordeon.
Vemos
em Monstren uma criatura igualmente doce, disposta a aprender ainda as coisas
do mundo que a cercam, mas a crueldade de Artur (Eduardo Campos), e os mal
entendidos que se seguem por causa da aparência monstruosa da criatura fazem
com que Monstren seja perseguido aos gritos de “Morten el Monstren”. Aqui um
ponto para se observar a mais: o problema da acústica. Artistas e público
aguardam ansiosos pela conclusão da reforma do Centro Cultural Dr. Genésio
Tureck (Cine Brasil) e uma recuperação da acústica do local. Apesar de um lugar
sempre receptivo a esse tipo de evento, o salão do Bandeirantes ainda não é o
ideal. Em muitos momentos do pouco falado no palco, não se conseguia entender
pela reverberação do som. No início, pareceu que o problema seriam as máscaras
feitas com desempenadeiras de pedreiro, mas difícil dizer após perceber a
amplitude do salão diante do público de 50 pessoas.
As
desempenadeiras tomam ali um papel importante. Se Frankenstein remete à criação
de uma criatura construída a partir de pedaços de corpos de vários cadáveres, a
desempenadeira aos pedreiros, responsáveis principais pela construção de casas
e edificações. Em cena, se transformam em escudos, pratos de fanfarra e até
pássaros, além das máscaras. A interação com o público atravessa o palco quando
os caçadores do Monstren se aproximam da plateia e mesmo quando Monstren,
transtornado, investe contra os espectadores. Vemos ainda em cena alguns
clássicos da comédia pastelão, como a perseguição em que um ator sai por um
lado, volta por outro e se desencontra com o perseguidor, ou mesmo o encontro
de Monstren e Melina, na jaula destruída pela atriz.
A
opção de minimizar o uso do verbo também é algo clássico da técnica clownesca.
Muito do que se vê no palco é ditado pelo ritmo do acordeon que dá vida a
Monstren. E quando todos pensavam que o vilão se daria mal, o protagonista, num
gesto sublime e pouco casual, o perdoa. Ontem, a última apresentação, em
Canoinhas, deve ter sido um presente muito bom para o aniversariante do dia, Vinícius,
que completou 24 anos. E antes que me esqueça, a coordenação entre sonoplastia
e iluminação com os atores é feita com propriedade por Manoella Carolina Rego e
Flávio Andrade, este último, exceto ledo engano, não se encontrava na
apresentação são-bentense e coube a Manoella se dividir entre a operação de som
e luz.